quarta-feira, 19 de novembro de 2008

cássio pires - sobre a construção da dramaturgia

SOBRE A CONSTRUÇÃO DA DRAMATURGIA

Entre maio e outubro deste ano, a Cia Estável viveu a fase de fechamento da dramaturgia do espetáculo que agora é nomeado Homem Cavalo & Sociedade Anônima. Depois de um longo período de apropriação e experimentação em torno de conceitos de construção de uma dramaturgia coletiva, era o momento de preocupar-se com os conceitos norteadores e a forma do texto final.

Após uma longa pesquisa sobre o amplo universo de homens desterritorializados (trecheiros, errantes etc), a companhia delimitou seu campo de discussão para algo que, assim o entendo, trata das relações (nem sempre visíveis a olho nu) entre o mundo das grandes corporações e os processos de desigualdade social. Assim, o olhar inicial da companhia para a questão do vagar transformou-se pela ótica que tenta compreender esse fenômeno como uma questão de um mundo dominado pela lógica perversa da cultura neoliberal.

Feita essa opção, faltava outra ainda: a forma do texto. A fragmentação, entendida aqui como um recurso épico, permitiu a companhia justapor uma série de pequenos episódios em torno destes errantes e dos processos decorrentes das práticas neoliberais. Uma família que vive sob um viaduto, um faxineiro que “terceiriza” seu próprio emprego a outros homens para poder exercer um outro emprego, uma mulher ao mesmo tempo lírica e patética que vive dentro de um latão... essas são algumas das várias pequenas células dramáticas da peça, todas elas entrelaçadas com a narrativa sobre o Homem Cavalo, que nomeia o espetáculo e dá-lhe as chaves de debate.

O resultado honra os quase dois anos de debate sobre a construção de dramaturgia. É sempre recompensador constatar que o grande esforço de um grupo de teatro no sentido de se apropriar de conceitos de dramaturgia e de questões políticas e econômicas de nosso tempo resulta em um espetáculo capaz de enfrentá-las a altura de sua complexidade.

Cássio Pires - Novembro 2008

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