quarta-feira, 26 de setembro de 2012

rua florada, sem saída com temporada prorrogada até 14/10

O espetáculo está fazendo sucesso no Arena, então a Cia. Casa da Tia Siré conseguiu estender a temporada até 14/10.

DIA 6/10 NÃO HAVERÁ APRESENTAÇÃO.

RUA FLORADA, SEM SAÍDA
Sábados e domingos às 11h
Teatro de Arena
Rua Teodoro Baima, 94
República



Segue texto de Mei Hua Soares sobre a peça:


Rua Florada Sem Saída: Travessias

“Pálidas meninas / Sem olhar de pai,/ Ai quem vos dissera, /Ai quem vos gritara: / – Anjos, debandai! / Mas ninguém vos diz / Nem ninguém vos dá / Mais que o olhar de pena / Quando desfilais, / Açucenas murchas, / Procissão de sombras!”

“Flores murchas”, Manuel Bandeira

“Tudo se amaciava na tristeza. (...) O Menino, timorato, aquietava-se com o próprio quebranto: alguma força, nele, trabalhava por arraigar raízes, aumentar-lhe a alma”.

“As margens da alegria”, João Guimarães Rosa


Ao se pensar em como seria uma peça marxista infantil, algumas dúvidas e alguns nós podem povoar nosso imaginário. Um deles relaciona-se à chance, não tão remota, de uma peça com essa perspectiva se caracterizar por traços densos, ou, no mínimo, “didatizantes”, o que provavelmente a tornaria pouco atraente aos olhos do exigente (e, no mais das vezes, pouco paciente) público infantil, ainda mais no contexto contemporâneo. Poucos artistas poderiam fazê-lo impunemente. Mas alguns fizeram. Ou se não fizeram, propiciaram chão fértil que possibilita leituras que permitem recepções nesse viés. Um esmerado (e ousado) agrupamento de atores e atrizes – oriundos de companhias e grupos teatrais distintos, porém com reconhecidas afinidades (teatrais, políticas) – resolveu tomar para si esse desafio, cujo resultado é o belíssimo Rua Florada Sem Saída.

A peça traz à cena uma nostálgica rua onde moram crianças – e, diga-se de passagem, um dos personagens é realmente uma criança – que revelam aos espectadores suas brincadeiras e desentendimentos, seus cacoetes e manias, seus medos e anseios. Cada qual com seus dramas particulares, todos crescem juntos e atravessam fases que vão do embaraço ao triunfo, do cômico ao triste, da farra ao enterro (simbólico, e, talvez por isso, ainda mais potente que um naturalista). A descoberta das diferenças, das divergências; as ausências e indagações; o primeiro sutiã, o primeiro beijo, a morte. A bonita figura do florescer da árvore e das crianças conduz o espectador ao longo de toda a peça. O grande e o pequeno.
O mote da peça, que inicia com a reunião dessas crianças pelo convívio e ocupação do mesmo espaço físico – a rua, em oposição a casa, ou, alusivamente o público versus o privado –, é justamente a árvore que plantam juntos em um terreno baldio, batizada carinhosamente de Florinda. O seu crescimento é acompanhado de perto pelos pequenos, que até festa de aniversário para ela fazem. Dialeticamente, é ela, a árvore, que acompanha totemicamente as etapas de desenvolvimento das crianças, mas até o momento em que lhe é permitido pelas circunstâncias externas, o que nos traz a aporia: a impossibilidade da permanência (ou o esmorecimento) de árvores, valores, lutas e afins, mediante o contexto histórico fundamentado no capital, aponta para onde? Que horizonte é possível vislumbrar, tanto numa perspectiva infantil quanto adulta? Se a resposta for a barbárie, fazemos frente (ou front) a isso?
Rua Florada Sem Saída demarca a tênue linha entre ilusão e realidade, o que, em certos momentos pode ser constrangedor e indigesto, mais para os pais e mães, indefesos na plateia e impotentes fora dela, que para seus filhos. O título da peça, os rumos da trama, os becos e encaminhamentos são indícios refinadamente diretos de um espetáculo e de um conjunto de artistas que não escondem a que vieram. Em meio à boa música, cenas que conduzem tanto para identificações quanto para distanciamentos (“será que ela [a babá] gostaria de mim mesmo se não ganhasse dinheiro?”; “tudo que vê, quer”; lanchinhos de personagens mercadológicos; quem pode ou não entrar no cinema; quem pode ou não virar top model; reprodução e reificação), somos constantemente confrontados com o que somos e com aquilo que gostaríamos de ser. O problema é o abismo (e, talvez, a falta de verve). Mas o questionamento fica para os adultos, que assistem ora emocionados, ora atônitos, ao desenrolar das ações, ao passo que, para as crianças, permanece – a bonita, e poeticamente forte – metáfora da travessia.

Mei Hua Soares