terça-feira, 29 de julho de 2008

lugares

Tem uns prédios que assustam a gente. São grandes e parecem que estão mandando em nós! Eu não gosto não! Tenho vontade de gritar e tacar pedra nos prédios. Até igreja me dá essas coisas às vezes. Deus que me perdoe!

Tem lugar que é de ninguém. Ninguém mesmo: você pode fazer o que quiser com ele que ninguém vai reclamar. Sabe a Sé? Então. É tão de ninguém que mesmo se você tentar pegar pra você, tomar conta ou fazer de lá o seu espaço, ela te engole e você vira ninguém.

Outros lugares fingem que são de ninguém. Aqueles terrenões, tudo criando mato e rato, e ninguém pra cuidar. Agora, vai você entrar lá pra ver se o dono não aparece!

E tem lugar que quase não é lugar. Túnel de metrô, vão livre de prédio, patrimônio histórico, canteiro de avenida, repartição pública... é só caminho ou endereço, mas dá aquela sensação de oco de gente e sentido.

Às vezes tem corredores, escadas, frente de loja, calçada de boteco que ficam convidando a gente. Mas aí é convite mesmo, é mais educado.

agora céu aberto



TONICO: (entrega o celular pra ela) É só apertar OK.

CILENE: Dá! Ok? (enquanto filma) um pouquinho da minha vida pra vocês. Esse é o Teatro Municipal, onde apresento meus programa.

TONICO: Que programa?

MARILDA: É peça, Cilene!

CILENE: Minhas peça! Esse é o banco onde eu tenho minha poupança.

TONICO: Poupança, Cilene?

CILENE: O banco que acredita nas pessoas!

MARILDA: É louca! (ri)

CILENE: Aqui é o Shopping Light, onde eu almoço todo dia! (riem) Esse é o chafariz do meu jardim, e a pequena escultura que eu fiz! (riem) E aqueles são meus dois empregados (se refere aos trabalhadores da LIMPURB que se aproximam), hoje é dia de faxina!

TONICO: Vai, para de besteira, pega as coisas. Dá aqui o celular!

Tiram as coisas, Tonico arrasta Zé que ainda está desmaiado, os trabalhadores vão molhando tudo. Eles mudam de lugar.

sábado, 26 de julho de 2008

mais oficinas





I
nscrições abertas para as oficinas!










Informações:
8708.9563 com Flávia
ou
ciaestaveldeteatro@gmail.com

terça-feira, 1 de julho de 2008

o que está virando

Uns trechos de coisas produzidas por nós que estão nos colocando em movimento neste novo espetáculo.



O HOMEM CAVALO

Quando lhe colocaram as rédeas o novo trabalhador sentiu-se humilhado e lembrou de que não era animal. Seu rosto corou e o sorriso tímido que aquele homem forçava demonstrar sumiu por completo. No mesmo instante, notando o constrangimento, o senhor doutor-patrão tratou logo de explicar que as cordas não o aprisionavam, elas serviam apenas para que ele pudesse ser guiado. É fácil perde-se entre tantos caminhos, disse o senhor-doutor-patrão com a sabedoria dos que nascem para pensar.

E foi assim que deu-se o primeiro contato entre o velho patrão e este novo empregado. Jovem forte, persistente, se não lhe faltassem dois dentes da frente seria perfeito. Ele tinha um silêncio programado de trabalhador, cujo pensamento teme atravessar a boca. Isso agradava por demais o doutor porque ele gostava de falar, teorizar durante as longas viagens: gente pobre nasce do sexo, gente rica das idéias.





PAI
(num orelhão)

Faz tempo, né? Você está com quantos anos? Sabe com quantos eu estou? Esqueci de um monte de coisas, mas me lembro que...

Você já é pai, filho?

Nunca mais vi ninguém. A gente não andou pelos mesmos buracos...

Nossa, nem sei falar de mim, eu estou tão diferente! Andar me fez assim. Perdi o jeito. Fica difícil ter gente por perto.

Eu escolhi sair. Mas não escolhi ficar assim como estou.

Você se parece comigo... Mesmo que não queira.

O que você tem na sua vida? Trabalho? Estudo? Família? Dinheiro? Tecnologia?

O que você faz? Ainda tá lá em Itatiba? (PAUSA) Desculpa. Eu fico falando, desculpa... Não sei nada de você... Tá trabalhando

Na lavoura? É, teimoso, cabeça-dura.

Mulher ajuda, mas às vezes atrapalha...

Eu faço o que tenho que fazer, todo dia. Só.

Antes tinha bastante trabalho nas fábricas, agora não tem; antes tinha muito café, agora acabou a riqueza... Cana e soja só dá dinheiro pros fazendeiros que já quase não dão emprego porque tem muita máquina ... E quando tem uns bicos, terminam não pagando tudo ou o que é de direito, esses patrões. Entende?

Não é fácil...

Não te culpo por não me entender. Eu mesmo não entendo.

Eu já estou andando há tanto tempo que nem lembro porque saí de casa.

Sua mãe é que estava certa!

A gente vai perdendo espaço, sabe?É no campo, no trabalho, na família, nas ruas e nas praças. Parece que tão varrendo a gente, trocando a gente por coisa melhor! Cadê as coisas melhores? Você sabe? Você nem me conhece. Nem eu a você. Eu hoje sei que tenho que comer quando tenho fome, dormir quando tenho sono, e me proteger do cotidiano. Só. Às vezes é melhor só andar, mesmo.

Você e seus irmãos sempre estiveram na minha cabeça. Carrego vocês comigo. Mas não espero que você faça o mesmo.

Não carrego muita coisa, não. Tem coisas que lembro todo dia, na minha cabeça.

Você tem alguma foto de antigamente?

Não carrego muita coisa, não. Tem as ferramentas... Mas eu escolhi não carregar outras coisas. Você tem o direito de fazer o mesmo. O que eu tenho está na minha cabeça. Só.

Eu nem reconheceria sua mãe se a encontrasse hoje. Nem dá mais pra voltar atrás... eu nem queria.

Já me acostumei a pedir, sei fazer isso. Mas não te peço nada, não. E se você parece mesmo comigo, tanto quanto eu quero, você ainda vai querer entender pra que que serve ter as cosias... ou as coisas te terem.