terça-feira, 30 de setembro de 2008

flyer

fanzine - TERRITÓRIO2

Saiu o número dois do Fanzine.
Já tem? É grátis!
Venha assistir à peça e pegue o seu.
Ou procure por aí... na cooperativa, na sede dos grupos, teatros, escolas ...


Não achou?
Mande um recado para nós!
ciaestaveldeteatro@gmail.com



M E R D A

terça-feira, 16 de setembro de 2008

ficha técnica e agradecimentos

Elenco: Daniela Giampietro, Maria Carolina Dressler, Nei Gomes, Osvaldo Hortencio, Osvaldo Pinheiro e Sandra Santanna.
Direção: Andressa Ferrarezi
Assistência de Direção: Luciano Carvalho
Núcleo de Dramaturgia: Andressa Ferrarezi, Daniela Giampietro, Luciano Carvalho e Osvaldo Hortencio
Orientação de Dramaturgia: Cássio Pires
Preparação Corporal: Maria Carolina Dressler
Direção Musical e Músicas: Osvaldo Hortencio
Orientação Musical: Bakhy
Cenário e adereços: Luís Rossi
Núcleo de figurino: Maria Carolina Dressler, Maria Eunice e Sandra Santanna
Iluminação: Erike Busoni
Operador de luz e assistente de iluminação:Marcus Filomenus
Equipe técnica: Flávia Morena, José Rodrigues, Maurício Hiroshi e Zeca Volga
Equipe de registro:
Audiovisual: Dimarina Freitas e Jonatas Marques
Escrito: Luciano Carvalho e Sidney Nunes
Designer: Marcelo Meniquelli
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Paulo Arcuri
Produção: Cia. Estável
Assistência de Produção: Flávia Morena


PROJETO VAGAR NÃO É PRECISO (PARCEIROS, PROVOCADORES E CRIADORES)

Alexandre Mate, Antonio Carlos Vaz (Cacau), Aurélio Prates, Aurea Karpor, Carla Estefan, César Vieira,Charles Razsl, Cleinaldo Luís, Cleonice Tavares, Danúbio Gomes, Emerson Danesi, Emerson Merhy, Ermínia Silva, Gabriela Rabelo, Georgete Fadel, Glauber Pereira, Hugo Possolo, Jascson Matos, Jhaíra, José Justo Sterza, Joyce Ribeiro, Larissa Glebova, Leandro Pêra, Lorenzo Nacheli, Luís Carlos Moreira, Luís Ferron, Luís Scapi e NEP - 13 de Maio, Maria Cecatto, Marcelo França, Marcelo Meniquelli, Mário Bolognese, Marlene Querubim, Naiman, Pablo Perosa, Priscila Annunciato, Projeto Bazar, Rogério Toscano, Viviane Zômpero, e todos os participantes das oficinas.

OUTROS AGRADECIMENTOS

Adriana Balsanelli, Anderson Tavares, Andrea Lucena, Arsenal da Esperança (acolhidos, funcionários, administração, alfabetização e arte-terapia), Antonio Fattore, Banda de Maria, Banda Risses, Caio Dezorzi, Carlos Petter, Casa da Tia Siré, Cia.Mossoró de Variedades, Cia. São Jorge de Variedades, Cleide e Luiz Tapiocas, Colcha de Retalhos, Cursinho FEA - USP, Dirce Ferrarezi e Daniela Ferrarezi, Diego Andrade, Diego Ruiz, Dirce Abate, Dolores Boca Aberta, Elvira Pereira Saito e equipe do CEU Alvarenga, Engenho Teatral, Erik Morais, Fábio Hirata, Flávio Cruz, Fundação Casa unidade Hipódromo, Genilde Bezerra, Gerson de Paula, Grupo 1° ATO, Grupo XIX de Teatro, José Carlos Mazotti, Kuka, Lala, Magrão, Marcela Puppio, Maria da Graça Fattore, Marilia Carbonari, Nágila Sanches, Núcleo 3D, Odivaldo Moreno, Parabólica Comunicações, Parlapatões, Paulo Arcuri, Renato Gama, Rodnei Pepino, Rodrigo Valenciano, Rogério Rodrigues, SESC Itaquera, Sílvia Leblon, Teatro União e Olho Vivo, Universidade Anhembi-Morumbi, Universidade Vermelha, Walter Michellin.

EM MEMÓRIA: Cristiano Bezerra e Leandro Pêra.

BEM VINDA, Ana Luiza!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

release



NOVA PEÇA DA CIA. ESTÁVEL LEVANTA DISCUSSÃO SOBRE TRABALHO, MORADIA E CONSUMO A PARTIR DAS ANDANÇAS DO HOMEM MOVIDO PELA FALTA

Homem Cavalo & Sociedade Anônima, novo espetáculo da Cia. Estável de Teatro, estréia dia 04 de outubro, às 19 horas, no Arsenal da Esperança - Casa de Acolhida para homens em situação de rua, localizada no Brás - antiga hospedaria de imigrantes construída em 1886 para abrigar os recém chegados a São Paulo.

Com direção de Andressa Ferrarezi, a peça apresenta um cruzamento de situações sobre trabalho, moradia e consumo, costurado pela fábula do homem animalizado e explorado em seus esforços por sobrevivência como metáfora das impossibilidades, ilusões e contradições estampadas em nosso cotidiano. Inserida no dia-a-dia de cerca de 1150 homens, residentes do Arsenal da Esperança, a Cia Estável realizou a pesquisa que serviu de base para a montagem do espetáculo. O projeto foi contemplado pela Lei Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo. O ingresso é a doação de 1 kg de alimento não perecível.

Ao abrir o grande portão do Arsenal da Esperança, o público se insere em um universo bastante particular ao acompanhar a peça que se passa ao ar livre. Pelas ruazinhas que cortam o grande conjunto de prédios construído em 1886, a platéia acompanha uma espécie de cortejo e algumas cenas antes de chegar ao espaço cênico onde o espetáculo se desenrola.

A Cia Estável conquistou platéias e o respeito da crítica com o espetáculo Auto do Circo, de Luis Alberto de Abreu, ao retratar a saga nômade da família e dos antepassados de um velho palhaço que, em uma cadeira de rodas, rememora vivências dentro e fora do picadeiro. Anos depois, o nomadismo permanece como ponto de partida da pesquisa, tanto quanto a relevância do espaço ocupado norteia o discurso sempre alinhado ao contexto em que o grupo está inserido.
Para saber mais: www.territorioestavel.blogspot.com


Homem Cavalo & Sociedade Anônima. Com Cia Estável de Teatro. Texto - criação coletiva. Direção - Andressa Ferrarezi. Duração - 90 minutos. Classificação - 14 anos. Ingressos - 1 kg de alimento não perecível. Temporada - de 04 de outubro a 30 de novembro de 2008. Sábados e domingos às 19h. - Em dias de chuva não haverá espetáculo. Arsenal da Esperança - Rua Dr. Almeida Lima, 900 – Brás (próximo a estação Bresser-Mooca do Metrô). Informações reservas de ingressos - (11) 8708-9563 / (11) 8121-0870. Capacidade - 50 lugares.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

esta noite onde você vai dormir?




O cavalo parecia dormir em pé.
Este cobertor tem cor de calçada.
Quem limpou sua casa?
Quantos você tem? E ele?
O banho não resolveu...
É verdade que o Rossi vem? Será?
Silêncio, programado.
Tem preço?
Meu despertador é o guarda civil, que o salário ainda não viu*
Será que ele está mesmo dormindo?


Osvaldo Hortencio

*O Orvalho vem caindo, Noel Rosa e Kid Pepe



terça-feira, 2 de setembro de 2008

domingo do léo


Numa roda
uma moda de viola
onde a gente comemora
momentos desta vida

Bons amigos,
os pássaros cantando
e no céu azul histórias
se decifrando

Companheiros,
é tarde de Domingo
acenda uma fogueira
que a noite vem chegando

um bom vinho
lua namoradeira
os casais vão se unindo
na areia se espalhando

Numa roda,
sorrisos, versos, prosas
entre lágrimas silêncio,
eu sinto calma.


Canção de Leonardo Edson Domingos, companheiro, aluno das oficinas e acolhido do Arsenal neste período.
Valeu Léo!


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

conversa solta de TERRITÓRIO2 - na íntegra


Na íntegra, conversa solta entre acolhidos e membros da Cia. Estável após um ensaio do espetáculo Homem cavalo & sociedade anônima na lona instalada dentro do Arsenal da Esperança. O debate se iniciou com uma breve explicação sobre a função deste debate. No decorrer da conversa outros acolhidos foram se juntando a nós.
Noite de 25 de Agosto de 2008.




Orlando, 40 , Ceará
O que me chamou atenção foi o cuidado com os idosos. Hoje em dia tem muita desigualdade com eles. Todo mundo acha que eles têm regalias, mas não têm. Eles merecem ter o que plantaram.

Rogério, 33
É a alienação... como os patrões tratam os funcionários, como um boneco, uma marionete que eles querem manipular. Até o governo, com esse ensino nosso que é fraco pra caramba. Quanto mais gente burra, ignorante, mais fácil para eles dominarem os outros. Isso que vocês fizeram me passou muito a impressão disso, da dominação do ser humano. A gente é posto numa redoma de vidro, sem direito a nada. Só temos um direito: não ter direito nenhum. Não só aqui, no mundo inteiro.

Anderson, 33, Rio de Janeiro.
Esse sistema capitalista que surgiu no mundo, né? Realmente tem feito com que o trabalhador seja escravizado, aqueles que têm o controle na mão venham a ter mais controle e aqueles que não têm condições tem tido menos condições... esse monopólio que tem arrebentado com uma classe, sem condições de ter um mundo melhor, uma visão melhor, mais aberta, porque educação não tem pra todos, as pessoa não têm acesso a cultura e aí as pessoas vão sendo escravizadas pela falta de cultura. O povo é monopolizado e escravizado pela falta de cultura. De forma que tem que aceitar o trabalho do jeito que eles derem, com o salário de fome que eles dão e isso não tem ajudado em nada.

Estável
Alguém aqui já passou por essa situação?

Rogério
Eu passei.

André, 29, Ribeirão Preto.
Eu gostei mais do que vocês mostraram sobre a desigualdade social, entendeu? Entre uma escova progressiva, que tanta gente quer fazer, e uma mãe querendo colocar comida na boca dos filhos. Isso eu achei bem interessante.

Amauri, 29, Amazonas.
Eu acho que no Brasil, tinha que acabar as guerras e aparecer mais trabalho para quem mora em albergues e quem é morador de rua. Obrigado.

Rogério.
A gente é até privilegiado, porque tem um teto um armário, uma cama. Mas eu passei pela situação de morador de rua, cara, é pior. Porque a gente tem vários direitos, só que a gente não tem acesso a estes direitos, e o pessoal, a prefeitura, os agentes sociais, tratam a gente como indigente, humilham muito o morador de rua, a gente não passa de um número, a gente é lembrado em tempo de eleição, como um voto, fora isso a gente é discriminado, enxotado. Um lixo da sociedade. É cruel cara. Mas também a gente não deve se acomodar, ter uma casa e comida e se acomodar. A gente tem que batalhar e merecer pelo que a gente faz. Eu cheguei aqui, eu vivia na rua, eu só pedia a Deus um lugar para guardar minha roupa, porque eu era assaltado, roubavam minhas roupas. Não conseguia emprego porque eu tinha que estar às 15h no Anhangabaú ou na República ou na Sé para conseguir uma vaga para dormir de pernoite nos albergues. Pedia a Deus um lugar para guardar minhas roupas, para eu saber que iria ter uma cama para dormir. Eu cheguei aqui numa quinta feira. Na sexta feira, eu não tinha estrutura, não tinha o que fazer. Saí na rua para catar reciclável. No Sábado a mesma situação, eu sai e vi uma placa lá: precisa-se de divulgador, panfleteiro. Eu parei, todo sujo, com três sacos de sucata enormes na frente do lugar e subi as escadarias e consegui o emprego. Isso no sábado. Na segunda eu já comecei. Desse emprego de panfleteiro eu passei para a faxina, depois passei para a recepção, agora sou aprendiz de prótese. Mas isso basta da gente, a gente não pode se acomodar: Ah, eu tenho minha comida, minha cama. Não, a gente tem que querer mais, lutar pelo que a gente quer. Se eu consegui, cada um que ta aqui presente, cara... a gente não deve reclamar da situação. Reclamar é fácil, a gente tem é que correr atrás. Todo mundo é capaz. Nós somos uma estrela, uma estrela que brilha muito. Só depende de você acender essa luzinha e olhar pro mundo e pedir pra Deus e agradece e fazer por merecer também.

Estável
Você acha que qualquer pessoa consegue, então?

Rogério
Sim só depende da gente. Da nossa força de vontade. Não importa nossa raça, religião, cor, cultura... Somos todos iguais, filhos de um só criador.

Estável
Alguém aqui acha que não se esforça o bastante?

Amauri
É mas se o cara não tiver o segundo grau, ele não vai pra frente!

Clodoaldo, 35
Tem que ter apoio também. Se você vai arrumar um emprego na faculdade, ou algum serviço que vai te registrar, que vai pedir escolaridade, os documentos inteiros... vão te perguntar: você mora onde? Eu moro num albergue. Existe um certo “preconceito”. Pô, o cara que mora num albergue, o que o outro pensa: é ladrão, é marginal, é mendigo, largou a família, é assaltante, ex presidiário. Hoje eu estou trabalhando num hospital porque um colega me arrumou. O homem me perguntou onde eu morava e eu tive que falar que morava numa pensão. Porque eu não iria conseguir trabalhar, sendo que eu estava fazendo um curso aqui de construção civil, tive que largar uns quarenta e cinco dias, para poder ir trabalhar, porque eu tenho quatro filhos e um neto. Quarenta cinco dias sem dinheiro, sem nada da pra poder comprar coisa no fim do ano, no dia do aniversário dos meus filhos... ia ser demais. Então quer dizer, você vai arrumar um serviço, você vai ter que ter estudo, um lar fixo, entendeu? Se você fala que mora num albergue você é discriminado.

Estável
Uma pessoa que tem estudo, se esforça muito, quer um trabalho, mas mora num albergue, tem dificuldade?

André
A própria sociedade discrimina. É só sair aqui na rua, aqui na esquina tem vários bares. Mas tem bar que albergado freqüenta e tem outros que não freqüenta. Os bares do lado da faculdade (Anhembi-morumbi) só tem universitário, você chega nesses bares e os donos te olham do tipo: aqui não é o seu lugar. Nem tanto os universitários. Tem uns até são gente boa. Tem três bares aqui que os albergados não vão, e tem um bar mais humilde ali na frente que a gente vai, a gente chama de nosso bar, entendeu?
Até aqui tem isso. A pessoa escuta falar de albergado, já imagina um mendigo com saco nas costas. Não é isso... às vezes é gente com cultura, com vontade de trabalhar mas passou por vários problemas pessoais, que cada um deve ter, está na dificuldade, um momento difícil na vida. Em minha opinião isso é passageiro. Acho que todo mundo tem condição de melhorar sua vida.

Roberto
Até mesmo esses dias, eu estava trabalhando num lugar e o patrão me perguntava direto onde eu morava. Eu dizia que era numa pensão. Eu tive que dar essa idéia porque muitas pessoas de fora acham que aqui e em outros albergues, acontece muito, o cara trabalha dez dias e quer o que do patrão? Colocar o patrão no pau. Isso é errado. Por isso eles têm preconceito contra nós. E ta certo eles não fazer muita coisa, porque muitas pessoas talvez até não mereça, porque trabalhar cinco dias e depois começar a fazer gracinha, ou colocar o patrão no pau... isso não existe. Não existe essa lei.
Eu achava que o meu patrão tinha preconceito contra a minha pessoa, entendeu? Nunca comentava com ele onde eu morava, eu dizia que era uma pensão. Até que hoje me cagüetaram para ele lá. Ele veio aqui na porta do Arsenal, chamou outro companheiro meu. Até a hora que a gente viu ele, tomamos um choque: fodeu tudo! Acabamos de quebrar o castelo que começamos a construir. Graças a Deus não foi isso, foi para melhor. O patrão me disse : você tinha o que contra mim para não dizer a verdade de onde você morava? Eu disse: contra o senhor eu não tenho nada, eu só tenho contar as pessoas da alta sociedade que têm preconceito com as pessoas que moram num lugar como este. Porque são quase mil e duzentos homens, e no meio de mil e duzentos existe sim ladrão, tem muitos que querem algo na vida, fazer algo para sua família, é onde a gente está ganhando o direito na vida.

Éderson, 18, Ribeirão Pires
A meu entender, a discriminação não é muito pela pessoa ser albergado. Vou dar dois exemplos. A pessoa que já passou pela Floresta Que Cresce assistiu a aquele filme do Will Smith. Ele mesmo se discrimina. No caso nós aqui do Arsenal, nem todo mundo aqui já foi ladrão ou tem passagem pela polícia... O pessoal é discriminado porque fica bêbado na rua, fica roubando ou mendigando. Têm muitos aqui que gente já vê pela cara que já foi uma pessoa bem sucedida na vida. Já foi por quê? Não é porque não quer nada com nada. Às vezes própria oportunidade de vida que tem não está aproveitando... este negócio de discriminação no trabalho é mentira. Tem rapaz aqui dentro que trabalha no banco. Mesmo o pessoal sabendo que ele é albergado.

Estável
Mas têm quantos que trabalham no banco?


Éderson
Ele é um. Eu trabalho em cozinha industrial e não sofro preconceito. Muitos aqui têm trabalho registrado. Tem um rapaz que trabalha num prédio como empregado geral, a patroa veio aqui conhecer a casa para entender realmente como é o processo da vida de um albergado. Para ver que o albergado não é um mendigo, usuário, o drogado, o nóia, o ladrão. Dos cem por cento de moradores, sessenta por cento pode ser usuário, mas quarenta não. Essa visão de que albergado é tudo igual é errada.

Estável
Tem casos de gente que não passa por preconceito. Mas nestes mais de dois anos que estamos aqui dentro, a grande maioria nos disse que tem que mentir o lugar onde mora na hora de conseguir um emprego. Tem a exceção e a regra. Aqui no Arsenal tem tudo. Tem ladrão e gente honesta. Como no Planalto também. Em qualquer lugar. Mas é importante falar essas coisas, porque a gente mesmo, só foi tomar conhecimento desta condição, de mentir o lugar onde mora, depois que entramos quina casa. Porque os que não passam por este problema para conseguir emprego são a exceção.

Clodoaldo
Você vai ter que sair daqui, e ir para outro albergue porque você não conseguiu um trabalho, um lugar para morar, e não vai conseguir um trabalho, porque vão te perguntar por que você não estava trabalhando e você vai ter que dizer que é porque estava no Arsenal, num albergue... Vai passar seis meses – porque o prazo aqui é de seis meses – daí você vai tentar voltar e a assistente social vai dizer: pô, mas de lá pra cá você não conseguiu nada? Aí você diz que teve certa dificuldade, porque eu estava morando num albergue, tive problema para tirar meus documentos, tava ruim de trabalho, e assim, vai. Quer dizer, ele fica igual a um macaco, pulando de galho em galho, naquela rotina. Não arruma trabalho. Tem muitos que falam: você vive em boca de rango. Ainda bem que existe boca de rango. Porque senão você fica morando no meio da rua. Tem um lugar para você tomar um café da manhã, almoçar, daí você vem para o Arsenal e pode jantar, entendeu? Se a pessoa se acomodar ela não sai de onde está.

Orlando
Eu sou um dos culpados dessa história do Clodoaldo. Porque eu peguei ele e levei para trabalhar comigo no hospital, mas meu chefe não queria que falasse que eu moro num albergue com o Clodoaldo. Eu tinha que falar que morava numa pensão. Eu estou nesse emprego porque outra pessoa, que não mora aqui, me disse: cara, se você falar que mora num albergue ninguém vai te querer. Porque a mentalidade é muito pequena. Ele não tem a mentalidade de chegar aqui e pedir quando está precisando de um pintor, de um zelador, de um porteiro, porque aqui está cheio de gente de qualidade. Só que ninguém enxerga, ninguém vê! Só analisa que um cara que mora aqui, que dorme numa cama, que come bebe. Não analisa que tem trabalhador.

Clodoaldo
Aqui tem muita gente qualificada.

Orlando
Tem muita gente perto de mim que foi advogado, contador, e isso vai acabando com a vida, vai matando, matando. Aí você faz o que? Vai pra rua de novo. Isso quando não acaba roubando.

Marcos, 43, Ceará
Aqui no Arsenal dá muito oportunidade pra gente, mas tem gente que não consegue aproveitar. Eu tive um trabalho numa empresa, negócio de construção, e para entrar lá eu fui obrigado a mentir o nome do Arsenal, dei outro endereço, porque como o rapaz acabou de falar, eu entrei com outro endereço. E infelizmente eu fui tentar ajudar uma pessoa daqui de dentro e essa pessoa acabou atrasando meu lado. Foi descoberto pelo homem que eu morava no Arsenal. Daí eu cheguei para trabalhar e disse que não precisava de mim mais não. Eu disse: por que? O encarregado disse que não sabia o motivo. Daí eu tentei saber mais e ele disse: não... realmente nós descobrimos que você mora num albergue, e albergue ninguém presta.

Leonardo, 30, Minas Gerais
Quando eu nasci eu ganhei um nome. Depois passei a ir para escola e deixei de ter nome e passei a ter apelido, vulgo. Mais um tempo depois, nos albergues da vida, numa e noutra cidade, eu já deixei de ter apelido e passei a ser um número. E em certos albergues este número representa fonte de lucro. Quer dizer, se eu tenho um número de lucro em certos albergues, quer dizer que eu sou um número de valor. Em muitos albergues, sobrenome do número é artigo, tem muitos irmãos que têm um número de delitos que eles cometeram. Então de nome passei a ter apelido, de apelido passei a ser número, e esse número tem um valor, então eu tenho valor. Eu passei a lutar pelo meu ideal. Emprego, uma pessoa me deu oportunidade. Independente de eu morar num albergue ou não eu mostrei a minha capacidade, fiz um teste, escrito. E passei e comecei a trabalhar. Com relação à cena que eu vi de vocês das duas moças. Uma não aceitava a exploração do patrão. Mas ela não. Este é meu ponto de vista. Independente de ser de albergue ou não, não devemos nos conformar com a exploração. Muitas vezes a gente vê com os próprios olhos as pessoas serem exploradas, em termos de salário, um trabalhador custa oitocentos, eles querem pagar quatrocentos, trezentos, quando se trata de pessoa de albergue eles querem pagar menos ainda do que paga para as pessoas. Nessa apresentação teatral eu vejo um incentivo de que a gente não tem que se conformar com as coisas, com o pouco que eles pagam só porque a gente está precisando. Não é bem por aí. A gente é capaz de prosseguir.

Roberto
A turma ta falando de emprego, eu mesmo não acho isso. Ontem mesmo apareceu um cara procurando as pessoas para trabalhar. Perguntou: você quer trabalhar? O outro perguntou quanto você paga? E ele disse: trintão. O cara falou, ah é pouco pra mim, e saiu fora. Eu acho que o cara está numa condição aqui dentro que ele não pode rejeitar. Trabalho, pra mim, mesmo não sendo da minha profissão, se eu preciso, eu tenho que ir. Eu dependo de dinheiro.

Estável
Mas aí acaba acontecendo o que o Leonardo falou, você se sujeita a umas coisas... Tem aquele caso do cara que passa aqui na porta para pegar gente e descarregar caminhão lá em Guarulhos, né?

Clodoaldo
Tem um trampo de ficar vinte e cinco dias no Rio de Janeiro com diária a vinte reais mais a estadia... e o almoço? E a janta? E o café da manhã? No fim você recebe o que? Cinco, dez reais. Vinte reais por dia? E o gasto que você vai ter? Mesmo que seja quinhentos, seiscentos reais, você vai voltar com o quê? Duzentos contos?

V. 36
Tem gente que se aproveita da ocasião do cidadão. Daí vem a exploração.

Adriano, Pará.
O nome da peça já fala, né? Homem cavalo & sociedade anônima. Daí que pergunto: qual dos dois nós somos? O homem cavalo ou a sociedade anônima? Porque parece que somos uma sociedade anônima que saímos por aí atrás de emprego e temos que falar que não moramos aqui. Ou somos o homem cavalo, que saímos para trabalhar por pouco, por humilhação, pelas dificuldades que passa? Então essa peça, se dirige nisso no que a gente passa hoje em dia. Nós albergados. Temos que acordar cedo passar por humilhação falatório de patrão que fica jogando na cara, por pouco. Não por cinco laranjas nem três, mas até por menos que isso.

Leonardo
Uma firma de segurança, uma firma de carregadores, se eles forem contratar o serviço de alguém lá de fora para trabalhar num evento, eles teriam que cinqüenta, sessenta reais para cada um. Daí o que acontece? Eles vêm aqui e contratam a gente. Pela metade do valor ou até menos porque a gente está precisando. Mas é claro que é uma coisa temporária, porque se fosse fixa, com carteira assinada,a gente não é bobo, a gente não vai se sujeitar a trabalhar por isso. Jamais.

Adilson, 41
Em minha opinião eu acho assim, não é só o preconceito de albergue não. Acho que a concorrência, pelo fato de ter muito desemprego, gera muitas disputas. Antes de eu vir para cá, há seis meses, eu fui atrás de emprego, mas surgia muitas desculpas: na sua área tem que ser mais alto, na sua área tem que ter mais estudo, outros falaram que tinha que ter mais aparência, falar melhor. Eu acho que a concorrência gera desculpa. Às vezes você vê uma fila com mil pessoas e vai ter só dez vagas ou menos... A oportunidade que o Arsenal dá para a gente, a gente vai ter que pedir muita força par Deus e ir à luta num bico, procurar fazer um curso na nossa área, para quando a gente sair daqui a gente ter condições de fazer alguma coisa, morando onde a gente for morar. Não acho que é só o preconceito não, acho que a concorrência é que é muito grande.

Roberto
Aqueles que vem aqui fora e oferece vinte reais pelo trampo... ta certo, é um dinheiro que vai dar para aquele momento, só que é uma exploração. Quando chega o fim da tarde e você está carregando o caminhão, ele quer que você complete a noite toda para ganhar mais, vamos dizer, trinta contos! Quer dizer que vai para cinqüenta, só eu você vai ter que agüentar aquilo a noite toda trabalhando e olhe lá se você não vai ter que agüentar o outro dia também para ganhar mais vinte reais. Setenta reais naquele esforço todo seu e o que você ganhou com isso? Só cansaço? Não ganha nada com isso.

V.
Só um complemento. O orgulho do homem, só por estar aqui dentro, já está ferido. Auto-estima não está no auge. Então por estar nesta condição, ele não é capaz de se sujeitar a tudo, tipo exploração. É que existe muita gente aí fora que gosta de se aproveitar.

Sidnei, 28, Santa Catarina.
Eu penso dessa forma: a pessoa ganha vinte reais por dia, só que se você trabalha vinte dias, você tem o que? Trezentos reais? Mais talvez, contando com descontos. Tu já podes alugar um lugar para ti morar, não pode não? Então eu acho que aproveitando este dinheiro, mesmo sendo explorado, mas já que a pessoa não gosta de ficar aqui ... porque eu não me sinto um albergado aqui dentro, já estou aqui há uns três meses e pouquinho, estou trabalhando e alugando um quarto para mim. E é assim, para você ir seguindo a sua vida.

Estável
Então aí vai uma questão, só pra pensar, e respondam se quiserem, na sua fala: todo mundo aqui consegue emprego e guardar dinheiro para alugar um quarto?

Anderson, 33
A respeito do que tem falado sobre o preconceito. Eu vim do Rio de Janeiro com um objetivo. Não morava na rua lá. Eu canto, componho. Vim para São Paulo para conseguir isso que eu quero. E quando chego nos empregos, quando bato de porta em porta procurando empregos, e enviando currículos, eu não tinha vergonha nenhuma de falar que eu morava num albergue, porque eu acho que quem faz o lugar é a pessoa. Se você tem um verdadeiro conhecimento de quem você é, o que você está fazendo, ter um objetivo nobre, porque não adianta nada você estar aqui dentro, são seis meses, nove meses, dois anos, mas se não tiver nenhum objetivo de repente de reconciliar com sua família, ou retomar seu emprego, não adianta nada. Vai ficar aqui dois, três anos e não vai conseguir nada. A gente tem que colocar na cabeça o porquê que a gente está aqui, o que a gente quer fazer. Se é preciso estudar, o cara estuda. Se é preciso se profissionalizar, se profissionaliza. Porque o mundo está aí, o mercado de trabalho está acirrado mesmo e se você não souber se expressar bem, não tiver uma boa leitura, uma boa cultura para prestar o cargo que você quer, não adianta de nada. Eu não tenho vergonha nenhuma e acho que ninguém deveria ter, em vista de saber o que se é, nós temos que dar a volta por cima.

Cláudio, 30, Minas Gerais
As críticas... para ir arrumar um trabalho, você tem que estar bem vestido, eles olham até pela roupa. O patrão só quer da gente o sangue.

Rogério
Eu também não tenho vergonha. Primeiro eu não moro num albergue, cara. Eu moro numa casa com mais de mil cento e cinqüenta irmãos, eu não tomo aqui como albergue. Foi Deus que me colocou aqui. Se você for falar com qualquer pessoa da administração, eles mesmo vão te falar: não tenha isso aqui como um albergue, tenha isso aqui como uma casa. E esse negócio de preconceito, muitas vezes a gente mesmo que impõe. A gente que levantar nossa auto-estima. Porque a gente diz: ah, o outro me faz isso porque eu moro num albergue, porque eu não tenho estudo... meu, cada um de nós é mais que tudo isso. Não adianta baixar a cabeça e ficar se lamentando. Tem que aprender com o sofrimento, com o que é errado,para você crescer. Para não sofrer a vida inteira, para progredir. A gente tem que saber que todos somos alguém, muito importante. Principalmente para Deus. Todos somos iguais

Paulo 48
Quando eu entrei aqui no Arsenal – o pessoal fala albergue mas eu considero com ASSINDES , porque aqui é albergue para quem não conheceu o Pedroso, o Cirineu, o São Francisco. Aqui todo mundo toma banho, todo mundo é limpo. Eu trabalho na área gráfica. Tive uma separação e me desconfigurei. Fiquei até sem serviço. Para não ficar sem dinheiro eu vendia água na 25 de Março. Até poder mandar currículo, ter dinheiro para o cigarro, essas coisas. Hoje não fumo nem bebo mais. Mas o que eu vejo é que se você ganha vinte ou trinta, se você tem um ideal daqui a um ano você tem seiscentos, oitocentos, mil, para você alcançar seu objetivo, de sair, de voltar para o seu Estado. Eu estava só observando aqui na frente outro dia, encostou uma perua e o cara veio doidão correndo – atravessou a rua e quase foi atropelado aqui - daí chegou, olhou e disse: pô, pensei que fosse comida, mas é trampo! E saiu correndo de volta (risos). Mas tem muito preconceito mesmo. Eu tenho problema com dois filhos menores que estão num abrigo. Até então estava tudo bem, eu visitava. Estou trabalhando em gráfica. Sabendo que eu estava em albergue, o juiz mandou um oficial de justiça para tirar o meu poder sobre os meus filhos, porque eu estou em albergue. Hoje eu tenho um pessoal que está me defendendo, advogados. Por estar num albergue, ele achou que eu sou um pai desconfigurado. Isso aqui antigamente... acho que foram os avós de vocês, japoneses, italianos que industrializaram a quarta maior cidade do mundo. Dormiram aqui, aqui era albergue (referência à antiga hospedaria dos imigrantes). Hoje é considerado lugar de gente desconfigurada, homossexual, ladrão, traficante, mas não é verdade.

V.
Eu vou contar um exemplo próprio: sou eletricista, só que o nome gera um certo estigma, querendo ou não. (para Rogério) Você falou de auto-estima, isso vai de pessoa para pessoa, cada um, cada um. Eu arrumei um trabalho. Mil quatrocentos e oitenta e três reais. A mulher me deu todos os papéis para tirar cópia dos documentos, para fazer exame médico. Daí ela falou: e o endereço? Daí eu disse: nossa... é agora, eu vou falar o que? Eu mostrei a carteirinha do Arsenal e falei: olha onde eu moro, é aqui, moça. Ela pediu para eu passar lá no outro dia de manhã. Estavam precisando de oito eletricistas. Quando eu cheguei lá, ela disse: infelizmente nós pegamos seu currículo, mas a vaga já estava preenchida e a gente não sabia (risos).

Paulo
Eu nunca menti onde moro. Evito ao máximo.

Adilson
Comparando as duas coisas que eles disseram.
Esses dois exemplos. Este falou do auto estima. Pedreira a gente vai encontrar em qualquer lugar, talvez aqui seja mais uma pedra. A gente tem que aproveitar este momento difícil. Para fazer uma ponte, se a gente conseguir passar este momento, vencer, outras pessoas que verem e ouvirem vão ter força também. Vamos tentar, pelo menos, vencer. E eu acredito que a gente vai vencer.