quarta-feira, 29 de outubro de 2008

mauro fernando - sobre homem cavalo & sociedade anônima

A OPRESSÃO NOSSA DE CADA DIA
Por Mauro Fernando


Atualmente soa inadequado falar em vanguarda – como expressionismo e surrealismo, que se espalharam pela Europa, ganharam o planeta e mudaram a face do século XX – para designar o que surge de inovador no panorama artístico. Mas pode-se identificar no teatro paulista companhias que apontam novas perspectivas para as artes cênicas ao se relacionar com o espaço cênico de uma maneira diferente da usual.

O Teatro da Vertigem (O Paraíso Perdido, O Livro de Jó, Apocalipse 1,11 e BR-3), a Cia. São Jorge de Variedades (As Bastianas) e a Cia. Triptal (Rumo a Cardiff) são exemplos de grupos que investigam, com êxito, possibilidades fora da caixa cênica tradicional. Com Homem Cavalo & Sociedade Anônima, em cartaz no Arsenal da Esperança (casa que abriga homens em situação de falta de casa, de família, de trabalho), a Cia. Estável se coloca nesse conjunto.

Como se precisasse reverberar que a esquerda está viva, ao contrário do que apregoam os entusiastas do neoliberalismo, a montagem se utiliza de princípios do teatro épico – fragmentação do texto em tom de fábula, solos narrativos – a fim de abordar a exploração do homem pelo homem. Sim, o bom teatro também é uma manifestação política, não apenas uma proposta estética.

As cenas se sucedem em três pontos do Arsenal. Um painel com diversos logotipos sugere a redução do ser humano a mercadoria. O texto brinca com típicos sonhos de consumo. A relação do Sr. Patrão com seu empregado e as cenas dos garis e da classe média (exposta em sua frivolidade e alienação) indicam os vícios a que se entrega uma sociedade guiada por valores individualistas e questionáveis. Além disso, há os significados ocultos de expressões como Cidade Limpa (livre da miséria não por justiça social, mas pela força do Estado autoritário) e Sociedade Anônima (aquela em que a maioria não tem voz).

A diretora Andressa Ferrarezi revela rara coerência na organização da matéria-prima da montagem, colhida pela companhia junto aos desabrigados do Arsenal – a Cia. Estável, dentro do Projeto Vagar não É Preciso, investigou por dois anos a precária situação social dos que passam pela casa de abrigo. Os depoimentos de desabrigados, colhidos após um ensaio e inseridos no espetáculo, evidenciam a linha de pesquisa da companhia e jogam luz sobre o pensamento dos artistas que a compõem.

O elenco (Daniela Giampietro, Maria Carolina Dressler,Nei Gomes, Osvaldo Hortencio, Osvaldo Pinheiro e Sandra Santana) demonstra pleno conhecimento técnico. As cenas cômicas da Mulher de Lata e do Bêbado, em especial, suscitam comentários dos homens acolhidos pelo Arsenal e comprovam a pertinência do trabalho, realizado em consonância com eles. O espaço cênico torna-se, então, agente do espetáculo – não se presta à condição de mero ornamento.

fonte: http://rotunda.zip.net

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