segunda-feira, 28 de setembro de 2009

sobreposição1 - brava/estável

BRAVA COMPANHIA / COMPANHIA ESTÁVEL
NOSSO ENCONTRO

Nós da Brava Companhia formamos um grupo de teatro, sediado na zona sul de São Paulo, cuja pesquisa teatral consiste, entre outras coisas, no trabalho do ator (o corpo, o jogo e o improviso) e na relação deste com os espaços onde a pesquisa se desenvolve (hoje, no Sacolão das Artes, ocupação cultural no Parque Santo Antônio) e pelos quais a companhia se apresenta, possibilitando, dessa forma, um canal de diálogo aberto com o público que a acompanha.

Assim como a Brava Companhia outros grupos de teatro também desenvolvem pesquisas teatrais com o intuito de manter viva a relação com o seu público, entre esses está a Companhia Estável, grupo de teatro sediado no Albergue Arsenal da Esperança, zona leste de São Paulo, o qual nos convidou para uma troca de experiências que aconteceu durante seis dias de encontros no seu espaço.

O objetivo dos encontros era aproximar artisticamente os dois grupos, e estes das pessoas que residem no Arsenal da Esperança. Para tanto, nós da Brava Companhia fizemos um cronograma de trabalho dentro do qual disponibilizamos, por meio de provocações musicais, corporais e cênicas, um pouco da nossa investigação relacionada ao trabalho do ator, e da pesquisa específica para a montagem do nosso próximo espetáculo, cujo tema é Imagens que nos Cercam, Imagens que nos Cegam.

No decorrer dos encontros os grupos discutiram questões relacionadas especificamente ao teatro e outras acerca do tema e de como ele se inseria naquele local e no mundo como um todo. Isso rendeu à Brava Companhia mais conteúdo para reflexão, que, direta ou indiretamente, estará presente no nosso próximo espetáculo: O Errante. Além disso, montamos algumas cenas, que foram aproveitadas na apresentação do resultado dessa vivência, e outras que ficaram registradas em vídeo e fotos.

Um dos fatores importantes dessa experiência foi a exploração do espaço do Albergue. Começamos os nossos trabalhos em uma sala, mas depois eles se expandiram por corredores e escadas do Arsenal, além do pátio externo e da quadra. Esse fato abriu as portas para um caminho de diálogo entre todos: nós da Brava Companhia, a Companhia Estável e os internos do Albergue. Exemplo concreto disso era a reação daqueles que nos assistiam: alguns participavam, outros estranhavam, houve até um que, em um momento de preparação de um exercício, chamou o Fábio, integrante da Brava Companhia, e começou contar-lhe uma história que deixou o ator impressionado. De alguma forma, todos os internos do Albergue que acompanharam os exercícios ou assistiram ao fechamento desse período de encontros mantiveram uma relação com a intervenção dos grupos naquele espaço.

No último dia de encontro, estávamos recheados de sensações colhidas pelo caminho por nós percorrido durante essas duas semanas. Muita gente assistiu ao exercício final, fruto de tudo o que foi plantado nos encontros. No final da pequena apresentação, nos dispusemos em uma roda para conversarmos, da qual faziam parte alguns internos cujas impressões foram divididas conosco, o que foi uma experiência e tanto para todos nós.

Enfim, essa vivência de seis dias no Arsenal da Esperança foi de suma importância para a Brava Companhia e para cada um dos seus integrantes, tanto no campo profissional quanto pessoal, pois esses dias nos legaram muito material com o qual podemos trabalhar e, agora, também, muitas inquietações. Pudemos, nesse espaço de tempo, aprender muito uns com os outros. Nós da Brava Companhia, por exemplo, aprendemos e aumentamos nosso vocabulário: Já sabemos o que significa “boca de rango”.

Nossos agradecimentos à Companhia Estável pelo convite e a todos os internos do Arsenal da Esperança que acompanharam as nossas intervenções naquele espaço.

Maxwell Raimundo
Brava Companhia



SOBRE A SOBREPOSIÇÃO

Quando estávamos em fase de formulação do projeto Sobreposições pensamos em materializar um desejo antigo que consistia na proposição de uma troca de experiência estética com outros coletivos teatrais.

Parceira em várias frentes, marchas, ocupações e discussões políticas que muito nos dizem respeito, a Brava Companhia foi um dos grupos convidados por nós nesta tentativa de nos entendermos enquanto artistas que pretendem interferir de forma mais responsável e contundente na sociedade da qual fazem parte.

Convite aceito, programamos, conjuntamente, seis encontros repletos de questionamentos e procedimentos objetivando, assim, estreitar nossos laços enquanto grupos parceiros e pensadores de arte.

A primeira coisa que deve ser louvada é a dedicação e entrega com a qual os integrantes da Brava conduziram o processo. Processo, este, nada fácil se pensarmos no pouco tempo de duração dos encontros e na ousadia da proposta. Pretendíamos, ainda, que esses treinos resultassem em uma intervenção cênica para ser apresentada para os moradores do Arsenal.

Em recente avaliação sobre os encontros, decidimos que dois pontos principais mereciam ser discutidos: o compartilhamento de técnicas teatrais entre os dois grupos e o resultado cênico apresentado.

Quanto ao primeiro, percebemos que, ao contrário dos bravos (inveja boa), nos falta um certo rigor no que diz respeito a um treinamento constante e objetivo em nossas práticas diárias.

Entretanto, aprofundando um pouco mais a discussão, fomos entendendo que a necessidade urgente de uma base teórica mais aprimorada, além, de uma pequena tendência ao “deixar rolar”, foi o que nos afastou, temporariamente, do saudável treino cotidiano.

Pensando nisso e no futuro, duas questões importantes nos lançam o seguinte desafio: como unir estudos práticos e teóricos sem perder a unidade que deve caracterizar um grupo de teatro? Como fazer um treinamento que respeite as características, interesses e limitações de cada corpo, sem cairmos na tentação de formalizar um jeito “ideal” para colocar-se em jogo?

Nossos parceiros atores, certamente, nos trouxeram mais uma possibilidade técnica para o nosso dia-a-dia. E, se toda técnica teatral pode servir para solucionar problemas de cena e comunicação, a ampliação do repertório de jogos e a diversificação dos treinos devem fazer parte da busca por uma unidade e aprimoramento artístico dos grupos.

Com relação ao segundo ponto da discussão, nossa avaliação passou por momentos mais delicados.

A partir de estímulos propostos pelos bravos, elaboramos algumas pequenas cenas improvisadas motivadas pelo tema que se aproximava da espetacularização da vida. Tema, este, que faz parte do próximo espetáculo da Brava Companhia.

Isoladamente, as cenas trouxeram elementos interessantes. No entanto, quando foi proposta uma “costura”entre as cenas, o conteúdo perdeu-se nas idéias.

Por tratar-se de uma experimentação cênica, isto não seria um grande problema. Mas, como o objetivo final era promover uma interferência junto aos moradores do arsenal percebemos que teríamos que ter debatido mais sobre o que realmente pretendemos com essas intervenções.

Muitas questões precisam e merecem ser debatidas e evidenciadas com experimentos estéticos. No arsenal, quais são elas? O que realmente queremos propor aos nossos mil cento e cinquenta interlocutores?

Muitas perguntas e uma ânsia de respostas permeiam agora, após esta primeira e contundente troca de experiências, nosso corpo e consciência.

No mais, viva a experiência. Merda, sempre, para todos nós!


Daniela Giampietro
Companhia Estável de Teatro

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