sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

para uma publicação do grupo do trecho



Sobre a experiência criativa de um grupo de teatro dentro de uma casa de acolhida para homens.

Por Osvaldo Hortencio
Ator da Cia. Estável de Teatro.

Pisar o chão

Que fazer do teatro que me cabe nas mãos? Buscar outras terras, territórios não ficcionais, para fornecer alimento para a cabeça nossa de trabalhador-artista!

Não, não é de pesquisa teatral, apartada, que falo. Falo da vida. Do teatro que olha e se interessa pela vida e, por isso, se torna pesquisa. Necessariamente nesta ordem. Pisar o chão para depois saber qual instrumento devo usar para tratar deste solo. Quando pisamos o chão Arsenal da Esperança, tínhamos os olhos atentos aos movimentos transeuntes desses desterritorializados. Cerca de 1150 homens lidando coma as faltas. Uma ânsia por entender a construção histórica que os levara até aquele lugar, o que os definia, o que nos irmanava. Também uma porção de ingenuidades e tolices nossas, pequeno-burgueses.

Sempre optamos por lidar assim: chegar, saber quem são e, um tanto entendido, escolher as cartas para o jogo. Do último jogo que propusemos, nasceu o Homem Cavalo & Sociedade Anônima, esta nossa cria que relincha duro sobre a exploração no trabalho, sobre consumismo e outras mazelas nossas.

Daí, voltando ao chão pisado, os outros pés que por lá passam se reconheceram e somaram conosco. Dá pra ser diferente? Se o teatro não se propõe inatingível, obra do dom e do talento de privilegiados, pode ser terreno de discussões e criações mais pertinentes.

Este Homem cavalo... foi criado após dois anos de residência artística na casa de acolhida Arsenal da Esperança, dentro do projeto Vagar não é preciso, contemplado pela Lei de Fomento ao teatro para a cidade de São Paulo.

Da metáfora do casco, das faltas que nos fazem vagar, seguimos inquietos percebendo o chão sob nossos pés, mas sem tirar os olhos dos que andam conosco. Nos cascos, solados ou descalços.

Fica então uma canção criada deste solo:

Maria batia a panela vazia

Mexendo a comida que não existia

João reclamava um pedaço de chão

Riscando o asfalto com um giz na mão

E eu com um passo ferrado no casco

Sou cascalho, barulho de uma multidão

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