quinta-feira, 11 de março de 2010

13 mil moradores de rua

matéria tirada do Folha Cotidiano:


SP TEM 13 MIL MORADORES DE RUA, DIZ CENSO

Nova contagem, que será divulgada pela prefeitura, mostra que a capital ganhou 4.000 desabrigados em nove anos.
Aumento no uso de drogas, falha em políticas sociais e desemprego são explicações, dizem especialistas; albergues têm cerca de 7.000 vagas.

DA REPORTAGEM LOCAL

Novo censo feito no fim do ano passado e que será divulgado pela Prefeitura de São Paulo nos próximos dias mostra o que a maioria dos paulistanos já percebeu: é crescente o número de moradores de rua, cada vez mais espalhados por bairros onde a situação era incomum.
Os dados do recenseamento, que trará informações por bairro, idade e sexo, apontam que 13 mil vivem hoje nas ruas.
Para eles, há pouco mais de 7.000 vagas em albergues da prefeitura -eram 8.000, mas no ano passado uma unidade fechou. Conclusão: quase 6.000 não têm onde dormir. E, mesmo assim, sobram vagas.
Em 2000, quando foi feito o censo anterior pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP, eram 8.706 pessoas nessa situação -3.693 em albergues. Ou seja, em nove anos, as ruas ganharam mais de 4.000 pessoas, um aumento de quase 50%.
No período, segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, a população da capital cresceu 5%.
Há várias explicações para isso, nenhuma delas completa: aumento do consumo de drogas -principalmente do crack- e álcool, desemprego e falha em políticas sociais.
Para Camila Giorgetti, doutora em sociologia pela PUC-SP e pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pesquisadora do Observatório Europeu dos Sem-Teto, o fenômeno se deve principalmente à inadequação dos programas assistenciais.
Para ela, é preciso evitar que pessoas cheguem às ruas e garantir a volta rápida às famílias.
Um educador de rua -que, por questão de segurança, não será identificado- é taxativo: a culpa é da droga. No caso, do crack, que leva pessoas a abandonarem trabalho e família.
A Folha acompanhou o trabalho dele, a maior parte do tempo feito na cracolândia, no centro. Ele diz ser comum aparecer gente nova, na maior parte pessoas de até 30 anos.
O que confirma constatação do censo da Fipe: há mais jovens morando nas ruas. A isso também se atribui o crescimento da presença de usuários de drogas entre essa população. Mas a maioria deles ainda é mais velha, acima dos 40. E o álcool continua um problema.
Outra explicação para o fato é o desemprego. Por isso, na opinião de especialistas, o poder público precisa manter programas de qualificação profissional e geração de postos.
"É preciso ter projetos que possibilitem a saída natural da rua. Nas duas últimas gestões, só mantinham albergue e até fecharam vagas", diz Alderon Costa, coordenador da Rede Rua, que administra albergues.
A prefeitura informou que o fechamento do albergue ocorreu por falta de segurança para usuários e funcionários.
A política do governo, segundo Alda Marco Antonio, vice-prefeita e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, é "fortalecer as famílias para diminuir a entrada de pessoas na rua".

(EVANDRO SPINELLI, ANDRÉ CARAMANTE e LETÍCIA DE CASTRO)

RIO: POPULAÇÃO VIVENDO NAS RUAS DA CIDADE É DE QUASE 5.000 PESSOAS

No Rio, existem de 4.600 a 4.800 moradores de rua, segundo o secretário de Assistência Social, Fernando Ferreira. Ele diz que cerca de 2.800 são atendidos em abrigos públicos ou conveniados e que os demais ficam nas ruas. Já em Salvador, o número de moradores de rua caiu 37% no ano passado em relação aos dois anos anteriores, diz a prefeitura.

SEM-TETO CRITICAM ALBERGUES E ABORDAGEM DA GUARDA MUNICIPAL

Eles afirmam que abrigos não têm higiene ou segurança e dizem preferir ficar nas ruas

ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-dono de uma adega perto do aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, Manoel Domingos da Rosa Neto, 41, vive há três anos numa esquina na Bela Vista. Diz ter perdido tudo devido a brigas familiares. Nas ruas, conheceu Sirlei dos Santos, 22, sua atual mulher.
Ela usa uma lata de tinta de 18 litros adaptada como fogão. Também na esquina, o casal toma banho com a água conseguida num lava-rápido. "O que tem deixado a gente muito triste é o fato de que a Guarda Civil Municipal tenta todo dia tirar a gente daqui e sempre age com desrespeito. A gente não quer viver em albergue. Tem muita violência e falta de higiene."
Na esquina onde vive, ele ganhou fama como pedreiro dos bons. "Tem gente que me dá R$ 7.000 para comprar material. Não é porque a gente está na rua que não merece respeito."
José, 30, também critica os albergues. Mineiro da cidade de Passos, ele vive nas ruas das imediações da praça da Sé há 18 anos, depois de perder pai e mãe num incêndio na favela onde viviam.
Enquanto contava sua situação, olhava para o céu e torcia para mais um temporal desabar. Assim, venderia os dez guarda-chuvas novos que segurava -é como ele ganha os R$ 50 por dia que gasta com três refeições e com maconha.
"Quem trabalha com gente da rua precisa entender que [na rua] tem de tudo. Tem quem está nela porque quer; os que estão por necessidade e os encostados, que se fazem de coitadinhos. É preciso saber separar e oferecer o que cada um precisa", diz Alves.


MORADORES DE HIGIENÓPOLIS E DO PACAEMBU RECLAMAM DE "INVASÃO'

Albergues fechados e ações policiais na cracolândia levaram sem-teto para esses bairros

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bairro nobre da região central de São Paulo, o Pacaembu virou um dos principais destinos de moradores de rua exilados pelas operações policiais da cracolândia e pelo fechamento de albergues no ano passado.
Segundo os moradores do bairro, o principal foco é a praça Wendel Wilkie. "Ela está completamente invadida. Da janela do meu apartamento vejo as pessoas cozinhando, urinando, defecando, até fazendo sexo", afirma a comunicóloga Ilva, que mora em um prédio localizado em frente à praça e hoje vive com as janelas fechadas por causa do mau cheiro.
Para impedir esse tipo de ocupação, os moradores querem fechar a praça com grades.
"Ela ficaria aberta de dia e, à noite, seria fechada e vigiada por guardas", diz Sonia Lopes, moradora do primeiro andar do mesmo edifício.
Em outra praça, a Ana Maria Popovic, a sujeira e a fumaça provocada pelas fogueiras dos moradores de rua são a principal queixa do engenheiro civil Rodrigo Mauro, 28.
Vizinho ao Pacaembu, o nobre Higienópolis também viu suas ruas arborizadas serem ocupadas pelos sem-teto.
Em Santa Cecília, a realidade se repete. Para Luiz Felipe Pereira Penha, 49, morador e proprietário de vários imóveis no bairro, os moradores de rua não são agressivos nem violentos. Mas "com eles vêm a bandidagem, traficantes e usuários de drogas", provocando uma sensação de insegurança.


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