segunda-feira, 28 de abril de 2014

por que cantam os sabiás

Reflexão sobre a participação da Cia. Estável na I Feira Antropofágica de Opinião. Esse texto fará parte da próxima publicação da revista Bucho Ruminante, dos parceiros antropofágicos. 

Por que cantam os sabiás

Cinquenta anos após o golpe civil-militar de 1964, ainda diante do desmonte social, histórico e cultural no qual gerações inteiras foram ética e esteticamente educadas, um coletivo ampliado de artistas politicamente engajados tenta responder, com o que lhe restou de poesia, o que pensa do Brasil de hoje. Tarefa difícil, pois pensar o Brasil da atualidade é ter, no mínimo, de decifrar as estratégias de controle muito bem articuladas pelo atual regime democrático-popular-participativo. Embora a truculência e a brutalidade, tão bem representada pelas forças policiais e seus grupos de extermínio, nunca tenham abandonado as ruas e as paisagens latino-americanas, é pela cooptação e pelo convencimento que governo e capital - no balé nefasto da co-dependência - tentam apaziguar as tensões sociais oriundas da luta de classes.
Na esfera estética, tão distantes e tão próximos dos companheiros da Primeira Feira Paulista de Opinião de 1967, diferentes grupos de teatro, música e cinema procuraram dar forma à enorme complexidade sugerida pelo tema da II Feira Paulista de Opinião ou I Feira Antropofágica de Opinião.  Na disputa pelo simbólico usurpado da classe trabalhadora, uma rede foi tecida dentro de um espaço cultural – Tendal da Lapa - que também resiste há 25 anos. Isto não é pouca coisa. O evento, pelo modo como foi organizado pela companhia Antropofágica, já trazia em seu escopo artístico – tanto na forma como nos conteúdos – o caráter de luta e resistência contra a barbárie do capital. O encontro entre as gerações que lutaram contra a ditadura de 64 e as que foram educadas no desmonte que a mesma ditadura deixou como legado trouxe a história à tona e junto com ela, muitas questões. Observando, em separadamente, os trabalhos apresentados, dois pontos mereceriam, a priori, um debate ampliado. Um deles refere-se à clareza política e à potência estética da arte de esquerda diante da classe trabalhadora, sua real interlocutora. O outro se refere aos espaços onde esta interlocução se faz necessária. O que, por que e para quem, afinal, cantam os sabiás?
Enquanto isso, é preciso seguir, sim, estragando pelo menos um pouquinho a festa da direita, da pseudo esquerda e da pós-modernidade esmagadora. Dar nome aos bois - em um tempo que não ajuda a distinguir o coração de um latifundiário do rim de uma criança pobre - é o mínimo que se espera de quem resiste. Viva os “anacrônicos” de ontem e os de hoje. Os burgueses estão à mesa. É hora de devorá-los.  


Companhia Estável de Teatro – por Daniela Giampietro

Nenhum comentário: